Alguns modelos até rodam no Brasil, como o Shacman X3000, movidos a gás natural, mas nunca foram produzidos em solo brasileiro
As grandes montadoras automotivas que produzem veículos em todo o mundo são responsáveis por alimentar a demanda de consumidores em diversos países. Muitas destas montadoras são conhecidas e bem-sucedidas pelo planeta, mas infelizmente não produzem aqui no Brasil, como a japonesa Hino, a russa Kamaz, a indiana Barath ou a chinesa FAW.
Apesar do mercado brasileiro ser bastante interessante para algumas dessas montadoras, existem questões tributárias que as inibem de se instalar aqui. Por isso, muitas delas optam por importar os seus veículos de outros países, a fim de satisfazer os clientes brasileiros. Além disso, o valor dos veículos, a dificuldade de peças e manutenção são questões que afastam um pouco o caminhoneiro ou frotista brasileiro desses pesados.
Mesmo assim, algumas marcas se arriscam pelo mercado, mesmo que em segmentos específicos, e conseguem se manter e até crescer, caso da DAF, JAC e BYD. Outras marcas ensaiam a vinda, promovem a informação e interesse, mas encontram dificuldades para estruturar a produção dos veículos em solo brasileiro. Foi o que aconteceu com a Shacman, montadora chinesa que chegou ao Brasil com grandes promessas e muita expectativa.
No ano de 2013, a empresa Metro-Shacman anunciou a produção de caminhões da marca Shacman no Brasil e informou que a fábrica seria na estrada que corta o município de Tatuí e faz a ligação entre as rodovias Castelo Branco e Raposo Tavares. Nesse mesmo ano, a empresa participou da Fenatran, maior exposição de caminhões da América Latina realizada em São Paulo, apresentando veículos produzidos na China e que seriam montados no Brasil no ano seguinte.
Os caminhões apresentados na Fenatran de 2013 foram os cavalos mecânicos TT 420 6x4, TT 385 4x2 e TT 385 6x4 e o Shacman LT 385 6x4, que permitiria a aplicação de carrocerias ou implementos para atender aos mais diferentes tipos de transporte de cargas pesadas e extrapesadas.
Para dar mais força a esse anúncio, a Shacman também apresentou um protótipo construído aqui no país, utilizando componentes produzidos por fornecedores brasileiros. O protótipo do primeiro modelo de caminhão pesado a ser produzido pela empresa no Brasil, resultado do trabalho da área de engenharia e planejamento do produto, foi o cavalo mecânico TT 440 6x4, com mais de 60% de seus componentes pertencentes a fornecedores internacionais já instalados no País para atender ao programa Inovar-Auto.
Shacman apresenta caminhão TT 440 6×4, seu primeiro protótipo brasileiro. Foto: Agência Transporta Brasil
O que atraiu a Shacman para o Brasil?
A Shacman é uma montadora chinesa que está entre as líderes no país na produção de caminhões projetados para atender às necessidades de transporte de carga, passageiros ou equipamentos. A empresa oferece uma grande variedade de opções de caminhões para todas as aplicações. Sua linha de caminhões da Shacman inclui modelos leves, médios e pesados, como os F3000, com motor CUMMINS de 420cv , o M3000, 6x4 ccom motor principal de 430hp e o F3000, o 6X4 com motor de 345 cv.
A ideia de produzir caminhões no Brasil surgiu quando a área de engenharia civil da empresa venceu uma licitação realizada em Angola, no continente africano, para a construção de estradas e conheceu os caminhões Shacman, disponíveis naquele país. Os engenheiros se entusiasmaram com o desempenho dos veículos, muito robustos e adequados a serviços pesados.
Shacman LT 385 6x4, um dos veículos apresentados pela marca na fenatran de 2013. Foto: Divulgação Shacman
Motivados pelo gerente da operação de Angola, João Comelli, que administrou a operação e com marcante visão empreendedora, os diretores da empresa sentiram que os veículos tinham condições de enfrentar as características brasileiras por serem semelhantes às do país africano.
Interessados em saber mais do veículo e com o relacionamento estabelecido com os diretores da empresa chinesa, os brasileiros concentraram-se na ideia de, com o investimento de R$ 400 milhões, construir uma fábrica para a produção dos veículos e, em poucos meses, encontraram um edifício em Tatuí, no interior do Estado de São Paulo, com características que permitiriam a sua transformação em fábrica de caminhões.
Os diretores da empresa também deram início aos trâmites necessários para obter a aprovação do programa Inovar-Auto e ao longo processo burocrático de apresentar ao governo brasileiro e ao Ministério da Indústria e Comércio Exterior, o plano de construção da fábrica e o investimento necessário para início do empreendimento. Foi um período de intensas ações para atender aos procedimentos normais de um programa dessa magnitude e, para alegria geral, foi rapidamente aprovado.
Planta de produção do caminhão Shacman brasileiro, o cavalo mecânico TT 440 6x4, com mais de 60% de seus componentes pertencentes a fornecedores já instalados no País para atender ao programa Inovar-Auto. Foto: Divulgação Shacman
Graças à habilitação no programa Inovar-Auto, a marca conseguiu permissão para importação de até 2.500 unidades por ano, até que a fábrica estivesse pronta, mas deveria seguir à risca o cronograma de instalação da fábrica. Em 2014, a Shacman também foi a primeira chinesa a se filiar à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), o que mostrava que realmente estava interessada no mercado brasileiro.
Outra ação importante foi montar uma equipe de profissionais experientes na produção de caminhões pesados, como os engenheiros renomados o para o cargo de diretor de desenvolvimento de negócios; especialistas em testes e desenvolvimento de veículos com experiência em grandes montadoras; profissionais estrangeiros, como o gerente da operação de Angola e outros profissionais com um longo histórico de construção e montagem de fábricas de automóveis e caminhões.
Equipe de engenheiros brasileiros conhecendo a fábrica da shacman na China. Todos ficaram impressionados com a eficiência do caminhão e acreditaram quepoderia ser uma boa solução para o Brasil. Foto: Divulgação Shacman
Tudo certo, só que não.
Tudo indicava que a nova fábrica começaria a ser construída em breve. O processo burocrático estava seguindo e as primeiras informações dos veículos haviam sido divulgadas. Porém, de forma muito surpreendente, a empresa passou a reduzir as informações e sem um anúncio oficial apenas transmitiu ao grupo que passou a enfrentar dificuldades e que o programa seria interrompido.
A notícia decepcionou o grupo pela forte dedicação ao programa e pelo elevado nível do projeto. O engenheiro Fernando Campos, convidado para ser especialista em testes e desenvolvimento de veículos, considerou que a interrupção do trabalho causou tristeza porque os veículos tiveram excelente desempenho no programa de testes e desenvolvimento, vencendo todas as etapas do programa ao longo de mais de 500 mil quilômetros em estradas e ruas brasileiras.
Marcos Gonzalez, responsável pelo projeto do protótipo do caminhão a ser produzido no Brasil, que atraiu o público e os transportadores durante a Fenatran de 2013, também revelou grande decepção. Rubens Cella, que foi responsável por uma série de projetos de produção de veículos, manifestou frustração pelo nível do projeto que idealizou para a fábrica e considerou que foi um dos melhores que teve oportunidade de realizar. Explicou que precisou resolver uma difícil equação porque a fábrica foi construída para produzir peças e objetos de cerâmica e não para produtos de grandes dimensões, como caminhões pesados.
Shacman TT 385 6×4, apresentado na Fenatran 2013. Foto: Shacman
Segundo os engenheiros, o desafio foi adequar o espaço existente para permitir o transporte dos chassis pela linha de montagem e incorporar componentes, desviando de áreas mais limitadas sem comprometer o ritmo produtivo. Para Cella foi uma difícil, mas gratificante missão que os companheiros de profissão consideraram um projeto inédito.
Inicialmente, caso a fábrica fosse mesmo construída, os caminhões seriam montados em CKD, ou Completely Knocked-Down, com peças importadas da China, e posteriormente a produção seria completamente feita aqui. Não houve mais detalhes após a divulgação inicial do projeto. Dados dos licenciamentos realizados, mostram que a montadora emplacou somente 57 caminhões no Brasil, 16 unidades em 2012, e 34 veículos em 2013.
Em 2014, mesmo sem ter sido lançado no mercado brasileiro o protótipo Metro-Shacman foi classificado entre os finalistas do Prêmio REI, promovido pela editora Automotive Business, com o título "Um caminhão em seis meses". Um reconhecimento importante que profissionais de elevado nível conquistaram para a Metro-Shacman.
Shacman caminhão trator x3000, de 351hp-450hp de potência, que atinge entre 1000-1500Nm
No ano de 2019, a empresa Golar Power Latam, uma joint venture formada entre a norueguesa Golar LNG e o fundo Stonepeak, e a empresa Alliance GNLog, anunciaram a importação de até mil unidades até o final de 2020 do modelo Shacman X3000, movidos a gás natural. Além dos caminhões importados, foi assinado um protocolo de intenções da construção de uma fábrica da Shacman em Sergipe, em um acordo com o governo estadual.
Luiz Carlos Secco, jornalista especialista no setor automotivo e fundador da Secco Consultoria, contou no podcast Muito Além que Motores e Rodas, mais detalhes dessa história em seu podcast, que você pode acessar clicando aqui. Acesse os podcasts clicando aqui.
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Até a próxima!
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