As rodovias guardam inúmeras histórias, sejam de pessoas, de cidades, de períodos históricos. Além de toda a utilidade que obviamente elas têm, existe uma outra riqueza que poucos de fato valorizam: a riqueza cultural. Entre as estradas que guardam momentos importantes do país está a SP 099, mais conhecida como Rodovia dos Tamoios.
Diferente das demais estradas que já conhecemos aqui, a Tamoios surgiu graças a teimosia de um Coronel da então Força Pública de São Paulo (hoje a Polícia Militar), que inconformado com o descaso dos governantes com o litoral norte, decidiu por conta abrir um caminho que facilitasse o acesso a São Sebastião e Caraguatatuba. O único acesso até então era através de Cunha/Ubatuba/Paraty.
Tudo teve início por volta de dezembro de 1931, quando o Coronel Edgard Armond, de férias no litoral, embarcou em um navio a vapor em Santos, com destino a São Sebastião. A bordo conheceu o ex-deputado estadual Manuel Hipólito do Rego, natural da cidade e, juntos conversaram sobre o estado decadente que se encontrava a região. Para eles, havia grande necessidade de um acesso terrestre com Santos e São Paulo, pois segundo eles, o litoral norte estava abandonado.
Vista do Litoral através da Serra de Caraguatatuba, onde foi construída a primeira parte da Rodovia dos Tamoios, em 1932. O melhor caminho que levava ao mar do litoral norte. Foto: Concessionária Tamoios
E de certa forma, eles estavam certos. Enquanto outras regiões ao entorno da capital e até mesmo o litoral sul, como São Vicente e Guarujá, pareciam em forte desenvolvimento econômico, a região norte se mantinha pouco estimulada. O governo da época não se mostrava disposto em investir mais na região, pois a considerava inerte, isolada e distante do então dinâmico progresso. Tanto o governo não acreditava - ou não se interessava pela região litorânea, que as únicas ligações existentes eram formas de Paraty para Cunha e de Ubatuba para São Luiz de Paraitinga.
Mas era só isso. A cidade de Caraguatatuba, por exemplo, era ligada com Paraibuna através de caminhos estreitos, íngremes e acidentados, com trânsito muito difícil e que há muito tempo existam, e que permitiam somente que pedestres, cavaleiros e cargueiros pudessem atravessar, e devido aos efeitos da chuva, tinha muitas erosões no solo e quase sempre eram obstruídas por árvores e pedras que desciam pelos barrancos.
As terras férteis e suas praias maravilhosas permaneciam abandonadas e desconhecidas pelos demais paulistas até fevereiro de 1932, quando o Coronel Armond, juntamente com, João Fonseca, engenheiro-chefe do DER, realizaram pessoalmente o reconhecimento e demais estudos do caminho, e escolhendo a cidade de Paraibuna, a 35 km de São José dos Campos como base inicial. Através de um reconhecimento feito grande parte a pé, carregando seus mantimentos nas costas e quase sempre debaixo de chuvas, gastaram cerca de 20 dias nessa exploração.
Ponto de início do traçado da Rodovia, na Serra de Caraguatatuba, em 1932. Foto: Concessionária Tamoios
Com todas as informações e conhecimentos que conseguiram, criaram um plano de traçado de rodovia que faria o que chamavam de ligação da planície com o planalto e apresentou ao Governo do Estado. Ao contrário do que esperava, o Coronel não recebeu o apoio e investimento que gostaria, mas recebeu a permissão de iniciar por conta a sua construção. Então, em abril de 1932, sem contar com muitos recursos materiais, chamou 15 praças da Força Pública (a maioria, soldados que seriam desincorporados), e iniciou a abertura da Rodovia pelo topo da serra de Caraguatatuba, começando pelo trecho mais difícil, dirigindo pessoalmente os trabalhos.
Como trabalhavam com um número muito reduzido e insuficiente de pessoas para um trabalho tão puxado, alguns meses após o início das obras, o Coronel conseguiu com a Força Pública uma verba de 50 contos e contratou uma turma de cerca de 30 auxiliares civis, que trabalhavam juntos com a turma militar e eram dirigidos e administrados diretamente por ele. Mas, mesmo dedicando muitos esforços na construção da rodovia, por diversas vezes aconteceram imprevistos que paralisaram as obras, como a troca de comando da Força Pública e a Revolução de 1932.
Esse período foi um momento à parte da história dessa rodovia, pois quando a Revolução explodiu de vez, os trabalhadores civis foram dispensados, mas os que atuavam na Força Militar transformaram as instalações das obras em piquetes e sob o comando do Coronel Arnold, organizaram tropas inicialmente em Paraibuna e Caraguatatuba e, depois no Sul do Estado em Itaí, Taquarituba e Avaré.
Os 15 profissionais que iniciaram as construções da Rodovia dos Tamoios em 1932. Alguns deles eram soldados que seriam desencorporados. Foto: Concessionária Tamoios
Trecho da Obra da Rodovia Tamoios, 1932, na Serra de Caraguatatuba. Foto: Concessionária Tamoios
Após o final dos conflitos de 1932, a construção da estrada continuou a cargo do Coronel e dos militares da Força Pública e em 1934, com o trecho entre Paraibuna e Caraguatatuba, incluindo a serra já em operação, o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) recebeu a concessão da rodovia e completou o trecho Caraguatatuba a São Sebastião.
Coronel da Polícia Militar Edgard Armond – Idealizador da Rodovia dos Tamoios - Foto: Concessionária Tamoios
A partir daí a rodovia tomou forma. No ano de 1938, começaram as ligações rodoviárias entre o Vale do Paraíba e Litoral Norte. Nesta data, foi inaugurado o trecho entre São Sebastião e Caraguatatuba. Já em em 1939, a estrada que liga Paraibuna à Caraguatatuba foi aberta ao tráfego de todos os veículos - incluindo os pesados e, em 1955, a ligação de Caraguatatuba a Ubatuba foi finalizada.
Mas, foi somente na década de 1950, que a região passou de fato a se desenvolver, o número de turistas aumentou e o turismo na região mudou radicalmente. Nesse ano foi inaugurado o Terminal São Sebastião, que até hoje recebe petróleo por navio-petroleiro e abastece quatro refinarias do estado de São Paulo, mudando completamente o tráfego do local, recebendo agora centenas de caminhões, que antes dificilmente eram vistos por ali.
Primeiro traçado da rodovia, antes de ser pavimentada de forma moderna em 1957. Nessa época, era muito comum a estrada ficar intransitável quando chovia. Foto: Concessionária Tamoios
Trecho de Serra da SP-099 antes da pavimentação. Todos os veículos já podiam circular pela estrada. Foto: Concessionária Tamoios.
Em 1957 no Governo Jânio Quadros, a Rodovia foi finalmente pavimentada pelo DER, usando um método popularmente conhecido como “virado“, após diversos acidentes graves causados pelo excesso de pó e lama que, aliado à neblina, tornou-se um grande perigo para quem transitava no local e em épocas de chuva, antes do asfalto, a estrada era praticamente intransitável. Nomeada como SP 099, a rodovia já fazia a ligação entre São José dos Campos, no planalto, e Caraguatatuba, na planície, se tornando a principal ligação entre o litoral norte com todo o Estado de São Paulo.
Trecho da Rodovia mais próximo da zona urbana. Ponte acima de um dos inúmeros rios que cortam a região. Foto: Concessionária Tamoios
Em 1970, foi melhorado o traçado entre São José dos Campos e Paraibuna. No mesmo período, com a inundação provocada pelo transbordamento da Barragem Paraibuna - Paraitinga, e o consequente prejuízo ao trecho de Paraibuna até o alto da Serra, foi necessária uma nova reconstrução de trecho da rodovia para que ela voltasse a ficar transitável. Em 1978, a então chamada SP-099 recebeu novo nome e passou a ser chamada de Rodovia dos Tamoios, dado em referência histórica ao nome da tribo indígena que mais tempo habitou e resistiu no Litoral Norte Paulista e no Litoral Fluminense.
Antes da colonização portuguesa, e até o final do século XIX, entre 1845 a 1959, a região era ocupada por cerca de 70 mil índios Tamoios (na região onde hoje estão as cidades de Mogi das Cruzes, Bertioga e São Sebastião), e se dividiam na etnia dos Tupinambás ao norte e dos Tupiniquins ao sul, sendo a Serra de Boiçucanga uma divisa natural das terras. A denominação da Rodovia foi realizada através da Lei nº 1796, de 18/10/78. Essa é uma das poucas rodovias que não levam o nome de algum desbravador ou de alguém ligado ao transporte, mas sim da verdadeira origem do lugar.
Vista para a cidade de Bertioga da Rodovia Tamoios. Antes uma via de mão dupla, agora duplicada. Esse trecho da foto é utilizado atualmente somente para descida. Imagem: Wikipedia.
Nos dias atuais a Tamoios (SP – 099) é um dos caminhos mais utilizados por quem deseja acessar o litoral. Apesar da Rodovia Mogi-Bertioga receber muito tráfego, a infraestrutura da Tamoios é muito superior. Ela possui intersecções com a Via Dutra (BR-116), Rodovia Carvalho Pinto (SP-70), Estrada das Pitas (SP-88) e Rodovia Rio-Santos (SP-55/BR-101). A rodovia possui 82 quilômetros de extensão e liga a região do Vale do Paraíba, um dos principais pólos econômicos do Estado, com um PIB de R$ 34,4 bilhões, com o Litoral Norte, importante escoador de combustíveis, passando por Jambeiro e Paraibuna.
Trecho de acesso da Rodovia dos Tamoios para as cidades de Jambeiro, Ubatuba, São Sebastião e Ilha Bela. Foto: Wikipedia.
A rodovia está totalmente duplicada, e tem duas faixas de rolamento e acostamento em cada sentido. No trecho de planalto, o limite de velocidade é de 80 km/h para veículos leves e 60 km/h para veículos pesados. No trecho de serra, o traçado antigo da rodovia foi convertido em pista descendente, dispondo de um percurso sinuoso com o limite de velocidade variando entre 30 km/h e 50 km/h.
Em 2015, a Rodovia dos Tamoios passou a ser administrada pela Concessionária Tamoios, do grupo Queiroz Galvão, sendo inicialmente responsável por 85,15 km que incluem os trechos de serra e planalto. Nos próximos anos, a concessionária assumirá também os contornos de Caraguatatuba e São Sebastião, totalizando 119,05 km sob sua responsabilidade. A cobrança dos pedágios iniciou-se em julho de 2016, após atingir o patamar de 6% das obras de duplicação do trecho de serra .
Trecho de Serra - Rodovia dos Tamoios - Foto: Governo de São Paulo
Novo trecho de serra foi inaugurado em 2022
O governo de São Paulo inaugurou no último sábado (26.mar.2022) a nova pista duplicada, no trecho de serra da Rodovia dos Tamoios, com investimento de mais de R$ 3 bilhões. Além disso, a estrada ganhou mais 22 quilômetros de extensão. Segundo o governo do Estado, a conclusão da obra vai reduzir pela metade o tempo de viagem e os motoristas a partir de agora, vão percorrer o trajeto em cerca de 16 minutos, com velocidade máxima de 80 km/h. Além da entrega da duplicação do trecho de Serra, também foram abertos ao tráfego outros 4 quilômetros entre a Rodovia dos Tamoios e o entroncamento com a pista ascendente, já existente na rodovia, que contempla os novos Contornos, em Caraguatatuba.
A pista ascendente, possui um traçado moderno com poucas curvas e dispondo de viadutos e túneis. O trecho duplicado da serra conta com diversos recursos de operação, tais como câmeras de última geração que detectam anomalias no tráfego, moderno sistema de iluminação, ventilação realizada com potentes ventiladores, sistema de comunicação com o usuário (com painéis de mensagens, alto-falantes e Wi-Fi), túneis de serviço (paralelos aos túneis principais), diversas portas de saída de emergência com indicação luminosa, e monitoramento 24 horas por dia por operadores do Centro de Controle Operacional da rodovia.
Rodovia dos Tamoios é a primeira com Wi-Fi e rádio web do país. Foto: Governo do Estado de São Paulo
O novo trecho de serra será dedicado exclusivamente à subida, sentido São José dos Campos, enquanto a serra antiga, que contém duas pistas e acostamento, será utilizada só para descida, sentido litoral. A nova pista é um moderno complexo viário, composto por 6 viadutos e 4 túneis, sendo um deles com extensão de 5,5 km, o maior túnel rodoviário do país. Mais de 22 milhões de veículos trafegam na rodovia por ano.
Na saída de São José dos Campos, foi construído um trecho de cinco quilômetros ligando o Anel Viário da cidade, recebendo a denominação de (SP-099) Rodovia Octavio Frias de Oliveira, administrada pela Prefeitura Municipal. O entroncamento com a Rodovia Governador Carvalho Pinto, entre os km 4 e 11 é administrado pela concessionária EcoPistas, pertencente ao grupo EcoRodovias.
A rodovia dos Tamoios é um caminho comum para você estradeiro? Você considera a pista uma das melhores de São Paulo? Qual rodovia você gostaria de conhecer melhor? Participe com a gente e compartilhe com seus colegas do trecho.
Túnel inaugurado em 26 de março de 2022 após conclusão de obras de duplicação que duraram 8 anos. Caminhão Volvo ainda trabalhando na obra em um dos trechos de serra. Foto: Governo de São Paulo.
Vista da pista ascendente inaugurada em 2022. Ao fundo a cidade de Ilhabela. Foto: Concessionária Tamoios.
Novo trecho da rodovia dos Tamoios inaugurado no último sábado. A pista ascendente será usada somente para a subida. Foto: Tamoio News
Fonte: Scielo Brasil
https://www.scielo.br/j/mana/a/6yWNsx4v3pNBRsVd735crYy/?lang=pt
Fonte: Concessionária Tamoios
https://concessionariatamoios.com.br/galeria/ver/27
Fonte: Prefeitura de Bertioga
http://www.bertioga.sp.gov.br/cidadao/historia/
Fonte: CETESB
https://cetesb.sp.gov.br/emergencias-quimicas/wp-content/uploads/sites/22/2013/12/Principais-ocorrencias-litoral-paulista.pdf
Fonte: São Sebastião
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-sebastiao/historico
Fonte: Câmara Municipal de Caraguatatuba
https://www.camaracaragua.sp.gov.br/sobre-o-municipio#:~:text=Caraguatatuba%20come%C3%A7ou%20a%20ser%20povoada,Gon%C3%A7alves%20Borba%20e%20Domingos%20Jorge.
Fonte: Rodovias.Org
http://rodovias.org/rodovia-dos-tamoios-sp-99/
Fonte: Governo de São Paulo
https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/rodovia-dos-tamoios-e-a-primeira-com-wi-fi-e-radio-web-do-pais/
Pamela Emerich
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