As mulheres nunca foram de se contentar somente com profissões que todos considerassem masculinas. Geralmente, as profissões ligadas à força, virilidade e resistência são relacionadas aos homens. Cortar as estradas na cabine de um pesado é uma dessas coisas que dizem ser “só para homens”, mas não é o que pensam milhares de mulheres do Brasil e do mundo.
Desde 1960, elas já estavam sob o comando de alguns caminhões, mas foi nos anos 1980 que elas foram ganhando seu espaço. No começo, claro, com muita dificuldade, mas com ainda mais vontade de fazer dar certo. E não eram só as caminhoneiras que passavam por constantes apuros no dia a dia da estrada, mas as companheiras dos caminhoneiros também. Ou seja, mais um motivo para os ambientes se adaptarem à presença feminina.
Mas, as coisas caminharam a passos bem lentos. Quando Jessica Valoski nasceu, em 1990, a realidade da mulher caminhoneira era um pouco melhor em relação aos primeiros contatos das mulheres com o transporte, mas, com certeza, ainda está distante do ideal. Ela explica que, até hoje, passa por situações um pouco constrangedoras que mulheres caminhoneiras de gerações anteriores ainda passavam, como contar com a ajuda de amigas e frentistas quando precisa usar o banheiro masculino, ou a dificuldade quando precisam tomar banho, sendo que muitas vezes, preferem nem tomar.
Jéssica Valoski, 31 anos: “Em alguns lugares, tive de usar banheiro dos homens.” Foto: Divulgação
Ela conta que até durante o dia em locais que tenham banheiros apropriados para mulheres, mas, normalmente, nesses lugares, é mais difícil estacionar o caminhão, já que são paradas para turistas. Esses perrengues fazem parte da trajetória de Cláudia até mesmo quando era acompanhante na cabine do caminhão, onde teve uma ideia de como era a vida na estrada.
Jessica se tornou motorista por influência do ex-marido, que é caminhoneiro e com quem ela trabalhou durante muitos anos. Quando se separaram, decidiu se tornar motorista em uma transportadora. Com o emprego, poderia juntar o dinheiro que precisava para dar entrada a um caminhão próprio. E, com isso, realizar o desejo de ser autônoma.
A mudança de vida com o primeiro caminhão
Depois de um tempo trabalhando como motorista em uma transportadora, aos 30 anos conseguiu comprar seu primeiro caminhão e partir para o negócio próprio. Comunicativa, Jessica, que é mãe de um menino de 6 anos, começou a gravar vídeos dos locais onde passava para enviar a seu filho, que fica aos cuidados da avó materna.
Porém, ela não esperava que alguns desses vídeos iriam rapidamente viralizar e transformar sua vida, tanto que, hoje, além de guiar seu pesado, também atua como youtuber e influencer, realizando alguns trabalhos no intuito de mostrar as condições, nem sempre tão satisfatórias, vivenciadas pelos caminhoneiros em suas viagens pelo Brasil.
Jéssica Valoski
Quando conseguiu realizar seu desejo de ser autônoma, percebeu que mulheres autônomas sofrem bem mais com a ausência de infraestrutura em relação às funcionárias de grandes empresas. Pois além da necessidade de planejamento do caminhão, ainda há a necessidade de arcar com todos os custos, inclusive pedágios e diesel, que ficam cada vez mais caros com o passar do tempo. Além disso, de acordo a motorista, as grandes empresas de transporte limitam o crescimento do autônomo, repassando seus fretes aos atravessadores, fazendo os ganhos dos motoristas diminuírem.
Hoje, a caminhoneira é dona de dois caminhões. Além do Iveco Cursor 330, que utiliza para trabalhar transportando latinhas vazias em uma carreta baú, tem também um Volvo VM 330, comprados de um primo. Os caminhões ainda estão sendo pagos e o sonho de Jéssica é abrir a própria transportadora, que já tem até nome, IJR Logística.
A Voz Delas está mudando a realidade das estradas
Assim como outras mulheres no segmento, Jéssica Valoski contou com uma ajuda e tanto. Ela participou do Movimento A Voz Delas, promovido pela Mercedes-Benz, que muito mais que uma ação de marketing, se tornou um movimento que tem mudado para melhor o destino das caminhoneiras e do setor de transportes no Brasil.
Jéssica Valoski
O propósito do Movimento é principalmente mobilizar empresas e entidades, e não apenas aquelas ligadas ao setor de transporte, para melhorar as condições de infraestrutura para mulheres nos postos de parada e nos terminais logísticos. Ebru Semizer, gerente sênior de marketing da Mercedes-Benz, diz que esse movimento é importante para conscientizar a sociedade sobre a situação das mulheres nas estradas.
A executiva da Mercedes revela também que, antes de iniciar o movimento, fez um levantamento em todo Brasil, de locais que fossem adequados para as mulheres caminhoneiras com banheiros limpos, chuveiro quente e até lavanderia para que elas pudessem lavar suas roupas. Nessa pesquisa, ela constatou que são poucos os lugares que oferecem alguma infraestrutura próxima do que seria adequado à categoria. Foi então que decidiram criar um site com o nome do movimento e, a partir dele, as mulheres começaram a escrever suas ideias para melhorar as condições de trabalho nas estradas.
Jéssica Valoski
Para mostrar o que seria um bom exemplo de local adequado para as mulheres da categoria, a Mercedes-Benz reformou um banheiro do posto Abobrão Rio Doce, em Cachoeira Alta (GO). O local é um movimentado ponto de parada da BR-364, no km 113. A rodovia é conhecida pelo escoamento da produção de grãos do Norte e do Centro-Oeste para outras regiões.
O espaço mudou completamente: recebeu novo piso, pias, azulejos, boxes de chuveiro, espelhos e cadeiras proporcionando um ambiente de mais bem-estar para caminhoneiras e cristais. Além disso, a Mercedes também reformou o banheiro masculino e construiu uma lavanderia para facilitar a vida dos caminhoneiros que passam por ali.
Ebru Semizer, gerente sênior de marketing da Mercedes-Benz
Outras empresas do setor de transporte e demais interessadas, como embarcadoras, estão entrando no movimento e proporcionando melhorias para as mulheres do setor, modificando ambientes de suas instalações, oferecendo treinamentos para mulheres, entre outras ações. São iniciativas que farão diferença para as próximas gerações de mulheres caminhoneiras.
Pamela Emerich
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