Na história do desenvolvimento do setor automotivo e de transportes, não estão só as grandes marcas de caminhões ou as máquinas potentes que atraem tantos amantes de pesados. Além dos gigantes, outros produtos são essenciais para o transporte de cargas de curtas ou longas distâncias: os implementos rodoviários. E você já parou para pensar em como seria o dia a dia na estrada se não fossem os implementos? Um dos mais importantes é a carreta, ou semirreboque, e hoje vamos conhecer mais sobre ele.
Realizar o transporte de cargas em veículos com rodas é uma prática comum há milhares de anos, utilizando tração animal e carroças ou até mesmo força humana. Entre os anos 1800 e 1900, os veículos motorizados foram criados e começaram a se popularizar, passando a rebocar cargas em cima de suas carrocerias. Essa já foi uma grande evolução para a época e o uso de animais e pessoas foi deixando de ser opção. Mas mesmo com tanto desenvolvimento, ainda eram veículos rígidos.
Estrutura importante dos implementos rodoviários, o semirreboque é o termo comumente utilizado no segmento para designar o equipamento que transporta cargas por vias rodoviárias, tracionado por um caminhão-trator do tipo cavalo-mecânico. Também conhecido como carreta, é acoplado ao caminhão através do engate universal tipo B, composto pela quinta roda do caminhão e o pino-rei no semirreboque. Possui, normalmente, de um a três eixos e precisa de força externa para se locomover.
O primeiro semirreboque do qual se tem notícia apareceu em 1914 em Detroit, nos Estados Unidos. Criado pelo marceneiro e ferreiro americano, August Charles Fruehauf, filho de imigrantes alemães. Com o primeiro semirreboque, naturalmente surge também um dos primeiros cavalos-mecânicos, que na verdade, ainda era um adaptação feita sobre um automóvel. Mas a história desse implemento começa bem antes, com uma ideia interessante.
Diferente do que muita gente pensa, o primeiro caminhão trator não foi um Mercedes-Benz. A América se desenvolveu um pouco mais rápido no começo do transporte de cargas no mundo, enquanto a Europa era assolada por duas grandes guerras. Essa vantagem não se dava tanto no campo tecnológico, mas sim, em termos logísticos e crescimento planejado.
Alexander Winton, fabricante de "carruagens sem cavalos", de Cleveland, Ohio, está marcado na história por ter inventado o primeiro veículo-trator, que mais tarde evoluiria para o conceito de caminhão-trator. Winton nasceu em Grangemouth, Escócia . Seu pai (também Alexander) era engenheiro naval e o jovem Alexander seguiu a profissão de seu pai. Em 1891, fundou a Winton Bicycle Co. e, em 1897, fundou a Winton Motor Carriage Company . Seus carros eram feitos sob medida.
Winton inventou o primeiro semicaminhão do mundo em 1898 e vendeu em 1899. Quando Winston começou a vender seus primeiros veículos em 1898, a empresa se deparou com um novo problema: como entregar seus carros aos compradores, alguns espalhados pelo país, sem causar desgastes significativos aos veículos?
Para não ir rodando com os carros novos, o empresário adaptou um automóvel Winton padrão em um pequeno veículo trator e, em seguida, atrelou um pequeno "trailler" ou semirreboque na parte traseira para puxar um carro de cada vez. Isso o levou a inventar o conceito de semicaminhão para lidar com a entrega de seus veículos fabricados. Desenvolveu então um caminhão para uso de sua empresa, que logo estaria vendendo para outros fabricantes. Esta é a primeira ideia de um produto de caminhão semirreboque que se tem notícia.
Paralelo aos inventos de Winton, Charles Fruehauf inventou o primeiro semirreboque no conceito que conhecemos hoje, em 1914, para um cliente que queria puxar um barco. Embora tenha sido a necessidade de transportar carros que motivou a criação do primeiro veículo trator, foi um rico cliente que precisava chegar a Michigan com um barco que fez o pedido de um reboque e então iniciou a produção do que viria a se tornar o primeiro semirreboque.
No verão de 1914, o bem-sucedido madeireiro Frederic Sibley Jr, também filho de imigrantes alemães e amigo de Fruehauf, pediu que ele criasse uma carroça para ser acoplada em seu carro, um Ford model T Runabout, ou um "bigode", como ficou conhecido aqui no Brasil, que era um veículo esportivo de dois lugares. Esse carro levava os mesmos modelos de chassi e motor do Ford T clássico, mas podia ter toda a traseira removida e substituída por uma prancha, transformando-se numa minipickup.
O rico Sibley precisava levar um barco de madeira até o Lago Superior em Michigan, fronteira com Canadá, numa longa viagem de cerca de 600 quilômetros. Fruehauf havia trabalhado há cerca de sete anos como marceneiro na fábrica de carroças do alemão Antony Pfenti, em Detroit, e na época do incomum pedido de Sibely mantinha a pequena oficina de carroças e vagões de madeira.
Incentivado pelo amigo que precisava de sua experiência e habilidade, construiu uma carroça com duas rodas atrás, com pneus bem reforçados, bem parecida com os carros de tração animal que aprendeu a fazer com Pfenti. August Fruehauf junto com seu sócio Otto Neumann, desenvolveram um sistema de acoplamento feito em cima da plataforma modificada de um Ford Model T runabout fabricado em 1911. A invenção foi batizada de trailer. Era rudimentar, com freios por varetas, usando apenas um eixo de rodado simples e era engatado em uma extensão montada sobre o chassi do Ford T.
O varão que se acoplava, também acionava o freio do semirreboque. Feitas as devidas adaptações no bigode, que se torna assim o primeiro cavalo-mecânico da história, lá se foi Sibley para o Lago Superior, carregando o barco de madeira com o valente Fordinho T runabout.
O magnata Henry Ford, dono da Ford Corporation, que também fabricava caminhões, não gostou nada da história quando soube que seu modelo T estava sendo usado para puxar um semirreboque e mandou avisar que o carro havia perdido a garantia de fábrica por uso indevido.
Fruehauf ficou igualmente apreensivo com a aventura de 600 quilômetros de Sibley, mas ficou muito surpreso e satisfeito quando o empresário voltou para Detroit com o Fordinho modelo T e o semirreboque rodando em plenas condições. Para maior alegria, Sibley encomendou outros semirreboques para Fruehauf, dessa vez para serem tracionados por caminhões potentes, para trabalhos e cargas mais pesadas em sua madeireira.
Fazendo as contas, Sibley descobriu que o custo por tonelada caía pela metade quando transportava seus produtos por semirreboques em comparação com caminhões rígidos. Sem se dar conta, Fruehauf construiu o primeiro semirreboque dos milhares que a sua empresa fabricaria.
Meses após a viagem de Sibley, em 1918, foi fundada a Fruehauf Trailer, que até hoje é um dos principais fabricantes de reboques e semirreboques do mundo. Fruehauf viu seu faturamento triplicar e seus produtos rodarem nos EUA. Mas, como todos os implementos, a invenção foi passando por melhorias.
Em paralelo aos semirreboques criados por Fruehauf, em julho de 1915, Herman Farr, dono da Knox Automobile Company, de Springfield, no Estado do Massachussets, e seu engenheiro, Charles Martin, patenteiam a 5ª roda, que haviam desenvolvido, tornando fácil e prático o uso dos semirreboques, já produzidos por dezenas de fabricantes nos Estados Unidos.
Ainda em 1918, um fabricante de carruagens, John C. Endebrock, desenvolveu o “trailmobile”, um chassi metálico sobre rodas que podia ser rebocado por um Ford Modelo T. O projeto trazia um engate que podia ser operado por uma só pessoa, enquanto os outros necessitavam de ao menos três. O custo do transporte de veículos era proibitivo para os fabricantes. Por isso, em 1920 George Cassens, um vendedor de veículos que dependia do transporte para entregá-los, desenvolveu e produziu um reboque para quatro carros, que era tracionado por um caminhão Dodge.
Fruehauf passa a ser o concessionário da nova empresa Martin Rocking 5th Wheel e sua 5ª roda foi premiada por institutos de engenharia americanos. Ela não só poderia ser utilizada nos Fords modelo T até 1T, mas também, para qualquer caminhão que tracionasse semirreboque de quatro a oito toneladas.
O sucesso foi imediato e, em 1918, mesmo operando em dois turnos, a Fruehauf já não dava conta de atender aos pedidos. Nesse ano, a empresa também passou a se chamar Fruehauf Trailer Company. Os veículos produzidos pela empresa passaram a ser presença constante em todas as rodovias dos Estados Unidos. E 20 anos depois, a empresa já contabilizava a venda de quatro milhões de implementos. Sucesso incontestável.
No início dos anos 1940, a Fruehauf Trailer Company passou a projetar e fornecer implementos para as Forças Armadas dos Estados Unidos, que eram usados na Europa e Ásia, durante a Segunda Guerra Mundial. Foram mais de 120 modelos diferentes para atender todas as demandas dos militares.
Na década de 1950, a empresa já operava diversas filiais nos Estados Unidos, além de Canadá, França e Brasil e chegou a faturar, em 1954, US$ 152 milhões, cerca de US$ 1,5 bilhão (R$ 8,1 bilhões) em valores atualizados.
Fruehauf, que injustamente sofreu forte oposição dos fabricantes de caminhão, tornou-se um dos mais famosos construtores de semirreboques de todos os tempos. A empresa ainda foi pioneira na construção de semirreboques frigoríficos, de alumínio, aço inox, tanques para líquidos e gás, cegonhas, ônibus para filas, guinchos e carrocerias com elevadores hidráulicos. A empresa Fruehauf teve um enorme desenvolvimento durante a segunda guerra mundial, mas acabou encerrando suas operações em 1997.
No Brasil, o desenvolvimento dos implementos acompanhou a chegada dos primeiros caminhões ao país. Os veículos eram importados principalmente dos Estados Unidos e Europa e os equipamentos americanos para utilizar como implementos nos caminhões começaram a chegar no final dos anos 1930. Tanto que a própria Fruehauf já tinha diversos produtos rodando no Brasil em torno de 1940 e, principalmente, no período de construção de rodovias, ganhou fôlego após a segunda guerra mundial.
Além disso, com o surgimento e importação de produtos do exterior, profissionais brasileiros passaram a produzir por aqui o já famoso semirreboque. Uma das mais importantes empresas nesse segmento teve início em uma pequena oficina de reforma de motores. O que não se podia imaginar é que essa pequena oficina seria o começo de um dos maiores grupos automotivos e de implementos rodoviários instalados no país.
A Randon foi fundada em 1949, pelos irmãos Hercílio e Raul Randon, para reformar motores industriais e se tornou conhecida por produzir e comercializar uma linha ampla de equipamentos para o transporte de carga terrestre, entre os quais estão veículos rebocados (reboques/semirreboques), vagões ferroviários e veículos especiais.
O primeiro implemento que a Randon produziu atendia o segmento “pesado” da época, um semirreboque carga seca de dez metros, fabricado em 1958 e foi vendido para o cliente Dalla Valle, de um eixo com capacidade de 20 toneladas. E em 1960, a produção em série dos primeiros semirreboques de um e dois eixos para cargas secas a partir de projetos de Hercílio Randon. Foi a primeira a utilizar a tecnologia Ecoplate, em substituição à madeira nas laterais, com ganhos em tempo de fabricação/montagem, baixa manutenção e menos perdas de grãos.
Um modelo de semirreboque que se popularizou no país foi a carreta “Vanderleia”, que surgiu no Brasil ainda nos anos 60. A primeira transportadora do Brasil a utilizar a composição foi a Michelon LTDA, que iniciou a ideia de usar a composição para as demandas brasileiras. O primeiro modelo a rodar por aqui foi uma Vanderleia frigorífica de dois eixos. Em seguida, outras composições foram surgindo no transporte, mas em uma quantidade não muito significativa.
Porém, após um decreto do presidente Geisel em 1980, que elevava o limite do peso bruto total combinado para 45 toneladas, a então FNV Fruehauf relançou a Vanderleia, com feixes de mola e suspensão com buchas de borracha, permitindo transportar 35 toneladas com o cavalo toco e 42 toneladas com o cavalo trucado. Esse foi o ponto de partida para a expansão de empresas brasileiras, já que o mercado estava em crescimento e os custos de importação eram mais elevados.
Em 1982, a Randon lança sua primeira Vanderleia, uma carreta com três eixos distanciados que acoplada a um cavalo 4x2 completa 45 toneladas, com uma suspensão pneumática. Porém, o desgaste de pneus era muito grande em manobras, então a empresa fabricou um eixo direcional para evitar um maior desgaste pneumático. Foi um grande sucesso no mercado da época, que já apresentava boa concorrência.
Com o tempo, outras empresas e outros tipos de semirreboques foram sendo criados para as demandas que surgem na indústria. No Brasil, são cerca de 1130 fabricantes de implementos rodoviários, um dos mercados mais aquecidos do Brasil, que emprega cerca de 70 mil pessoas e fatura cerca de R$ 9 bilhões por ano.
Veja tipos de carreta semirreboque existentes no mercado:
- Aberta: para cargas em geral, que não exijam maior proteção;
- Fechada: para cargas em geral, que precisam ser protegidas das ações do ambiente;
- Basculante: para cargas a granel que possam ser despejadas;
- Frigorífica: para cargas que requerem temperatura controlada;
- Tanque: para transporte de líquidos a granel;
- Cegonheira: para transporte de veículos;
- Porta-contêineres: para transporte de contêineres em geral;
- Carrega tudo: para cargas indivisíveis conforme Legislação DNIT 11;
- Prancha: utilizadas para transportar máquinas de grande porte e inteiras;
- Graneleira: para transportar grão como milho, soja e feijão.
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Pamela Emerich
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