Caminhoneira foi para a Cordilheira dos Andes, um dos locais mais perigosos do Mercosul, na primeira vez em que dirigiu uma carreta carregada
Pare um pouquinho agora e pense: as pessoas nascem, ou desenvolvem, o dom de dirigir caminhões? Para a carreteira Adriana Carvalho, esse dom já nasce com quem ama pesados. A caminhoneira de 33 anos começou a guiar pesados com 21, quando decidiu tirar a habilitação na categoria E. Mesmo sem caminhoneiros na família, a profissional sempre gostou dos veículos e alimentava o sonho de operar algumas destas máquinas.
Moradora de São Bernardo do Campo, em São Paulo, Adriana nasceu no Paraná e sempre gostou da sensação de liberdade e de conhecer novos lugares. Isso se juntou ao fato de ser apaixonada por Fórmulas Truck, o que sempre a fazia pensar em como seria ganhar a estrada em um caminhão. Sua realidade, porém, era bem diferente. Bastante estudiosa, se formou em Economia, além de trabalhar como gestora pública. Fez cursos na área, trabalhando um período na França, em área comercial.
Apesar de gostar do que fazia, Adriana sentia que estava na hora de mudar e ouviu a voz do seu coração: “A estrada me chamou”. Foi quando tomou a decisão de se habilitar na categoria E, aproveitando para realizar diversos cursos de capacitação: “Não tenho nenhum familiar na estrada, então, fiz todos os cursos possíveis: MOPP, cargas indivisíveis, escolar e coletivo”, conta.
Natural de Araucária, Adriana conta que lá não obteve sucesso ao procurar serviços na área dos pesados: “Foi onde meu instrutor de autoescola, o senhor Silvestre, me informou que no litoral catarinense havia muitas oportunidades para mulheres, portanto, me mudei para Palhoça, Santa Catarina, sem conhecer nada e nem ninguém”, relembra. A motorista então elaborou uns currículos e saiu para entregar pela região em busca de colocação: “No primeiro lugar em que fui entregar foi na Iveco, da BR 101”.
Adriana Carvalho - Foto: Site Movimento A Voz Delas
Adriana relembra que quando chegou ao local para entregar seu currículo, contou o seu sonho estradeiro para os que a receberam e todos se identificaram com sua história, mas acabou sem emprego porque não haviam vagas naquele momento. Porém, sua voz interior dizia que o NÃO significava força para insistir: “Fiquei na portaria na esperança de um milagre”, conta ela.
Foi nesse momento que a trajetória profissional de Adriana mudou. Enquanto esperava na portaria, um manobrista apareceu e disse a ela que havia naquele local o gerente de uma empresa filial do Chile, que estava ali para verificar as manutenções dos caminhões. “Pedi para entrar e falar com o gerente e, para meu alívio, agiu positivamente, sendo receptivo e gentil em me oferecer um teste na empresa no mesmo dia. Rapidamente entrei em um ônibus e me desloquei por alguns quilômetros até o local do teste”, lembra.
Adriana conta que acreditava que sua função seria ficar somente no escritório ou, no máximo, como ajudante de manobrista. Mas, para sua surpresa, foi fazer um teste prático em um Iveco 410 NR 6x2 engatado em uma carreta Vanderléia (sider vazio): “Peguei a BR e deu tudo certo. Não realizei manobras. Passados os dias da entrega dos documentos, logo, compraram uma passagem para eu ir até Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e disseram que era somente para aprender primeiro sobre a documentação exigida nas aduanas”, relembra.
Adriana Carvalho - Foto: Site Movimento A Voz Delas
Alguns dias depois e já trabalhando no escritório buscou em um pátio o mesmo conjunto que fez o teste, mas diferente da primeira vez, ele estava carregado. A motorista lembra que, mesmo com dificuldade e falta de experiência, se deslocou até um posto: “O motorista responsável em executar aquela viagem, simplesmente abandonou tudo e foi embora”. A partir daí tudo mudou na carreira de Adriana. Sem ter quem realizasse aquela entrega, o gerente recorreu à novata, que prontamente aceitou a missão, mesmo sem saber direito o que estava por vir.
A estreia de Adriana como motorista não podia ser mais caprichada: “O gerente me ligou dizendo que havia outro conjunto ao lado com um motorista experiente, que ia me ajudar indo até a Cordilheira dos Andes, no Chile. Fiquei assustada no primeiro momento, porém desafiada com algumas palavras de incentivo vindas dele: "Se sobreviver a isso, mostrou a que veio. Eu te contrato". Isso porque, Los Andes, a fronteira entre Argentina e Chile é bastante perigosa, pois frequentemente sofre com nevascas que param os caminhões por dias às vezes, e por ser uma região muito gelada e impactada pela altitude, causa alguns problemas como hipotermia, falta de ar etc.
A caminhoneira conta que, durante todo o percurso, foi auxiliada com as dicas do outro motorista, mas mesmo assim, o ambiente não era nenhum pouco tranquilo: “Detalhe, passar as Cordilheiras dos Andes sem experiência e sem conhecer com profundidade o equipamento, era algo extremamente desafiador. Ainda mais que era a primeira vez em uma carreta carregada!” A experiência prometia ser inesquecível e, de fato, foi. Mas, como não costuma desistir dos desafios, Adriana realizou o serviço e voltou para mostrar ao chefe que podia fazer qualquer coisa que quisesse.
“Depois desta empresa, entrei em outros segmentos no Mercosul, como câmara fria, prancha, cegonha, baú, sider, gaiola, alguns como autônoma. Também tive a experiência de trabalhar próximo de casa com betoneira e container. Como autônoma com diversos tipos de ônibus e caminhões novos”, conta Adriana. Atualmente, a caminhoneira segue transportando material químico, com o qual diz se identificar e destaca que encontra outras guerreiras no segmento: “Normalmente me deparo com algumas carreteiras nessa área, tem sido comum”.
Adriana mergulhou de verdade na profissão que escolheu: “Já morei em vários lugares. Morei em Santa Catarina, Argentina, Chile, dentro do caminhão. É uma vida sem rotina certa, mas cheia de satisfações”. Ela conta que está amando o segmento dos químicos e atualmente, executa seus serviços com muito carinho na empresa Borelli Transportes, uma das companhias com esse diferencial no mercado, acolher mão de obra feminina: “Todas juntas, brilhando como estrelas dessas estradas, teremos SIM voz ativa”, opina a profissional.
Com toda a sua trajetória, a caminhoneira mostrou o quanto é importante não desistir e agarrar as oportunidades que surgem. Mas além disso, mostrou que é preciso estar preparada para elas quando chegarem. Além da habilitação, ela procurou capacitações específicas, que foram muito importantes para seu início e toda sua trajetória profissional.
Assim como muitas mulheres, Adriana resistiu às dificuldades e realizou seu sonho de trabalhar com o que ama. A caminhoneira contou sua história para o Movimento A Voz Delas, que compartilhou em seu site, onde também estão outras histórias de mulheres que inspiram através de sua trajetória. Clique aqui para conhecer mais trajetórias inspiradoras de profissionais da estrada.
Você também tem algum sonho com caminhão? Quer ver sua história contada aqui? Comenta aqui embaixo.
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