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Por dentro do Dakar - (Episódio 3)

Por Dentro do Dakar, hoje o programa é o mais divertido deles: ROLÊ OFF ROAD dentro de um caminhão que competiu no Dakar desse ano!

Quando foi confirmada minha viagem para a Argentina, para andar em um brutamontes do Rally Dakar de 900 cavalos, a ficha demorou um pouco a cair. Sentar no banco do co-piloto de um caminhão do Dakar numa pista fechada, especialmente preparada para testar os limites do caminhão, era algo que definitivamente nunca esteve em meus planos.

Minha maior experiência com caminhões no Rally havia sido andar forte com a F-4000 4x4 da Território Motorsport, que preparou caminhões leves e pesados para o Rally dos Sertões. Na F-4000, estúpidos 300 cavalos em um motor Cummins B 4 cilindros, originalmente equipado com 120 cavalos, a faziam andar mais que muitas Mitsubishis TR4s, L200 e outros veículos da categoria production. Seu interior quente e claustrofóbico ajuda a bombar mais adrenalina no corpo a cada troca de marcha. Um caminhão que em sua versão de rua é bem pacato, mas em versão de competição, chegou a 198 km/h em um treino (no Rally dos Sertões a máxima é limitada a 160 km/h). Uma experiência impressionante, porque um caminhão de Rally é construído para passar por cima de tudo. A incrível suspensão absorve pancadas em valas com a desenvoltura de um Landau passando lombadas. Incríveis são as suspensões preparadas, mistas com feixe de molas e amortecedores Ohlins com molas helicoidais.

Lembro-me do Edu Piano, piloto que venceu várias vezes o Rally dos Sertões em várias categorias, dizendo que um rally faz o piloto perder até 10 quilos durante a prova. Não bastasse o calor do macacão, balaclava, luvas e sapatilhas, havia o calor gerado pelo motor que trabalhava em giros altos. Além do calor do Nordeste e Centro-Oeste do país. Nada de ar condicionado.

Mas voltando ao Brutamontes. Esse seria o vôo mais alto do Planeta Caminhão. Andar no caminhão que já foi vencedor do Rally Dakar. Lugar que poucas marcas conseguiram alcançar. Lugar onde a russa Kamaz e seus caminhões desenvolvidos para o solo lunar estiveram por diversas vezes.

Cada vez que pensava no assunto e me dava conta do que estava por vir, a ansiedade bombava mais. Mais do que realizar um grande sonho, que era andar em um caminhão do Dakar, eu tinha a missão de gravar tudo sozinho (normalmente vamos em um pequeno time) para que o pessoal que curte o Planeta Caminhão pudesse viver um pouco mais disso tudo.

Números próximos de 1000 cavalos em caminhões são raros. O Iveco Powerstar (sim, é a cabine do Stralis que você conhece, mas com capô dianteiro e cabine mais recuada, solução utilizada pelos Scanias Série 4 e Volvo NH/FH). Seu motor, que por incrível que pareça preserva grande parte de seus componentes originais, sofre retrabalho eletrônico, recebe mais pressão de turbo e tem alguns sistemas retrabalhados, como o sistema de refrigeração. Você pode até pensar que um Fórmula Truck anda com mais de 1.200 cavalos, e que os 900 cavalos deste motor 13 litros não são muita coisa. Mas não. O monstro por si só já pesa 10 toneladas e tem tração nas quatro rodas, com pneus gigantes. E trem de força em quase sua totalidade original.

Um Formula Truck, além de pesar quase 3 vezes menos, pode ter seu motor refeito ao fim de cada corrida. O do Dakar? Tem que atravessar desertos escaldantes, virando seus pneus com seus 4000 NM de torque, jogando areia para o alto com a desenvoltura de um quadriciclo potente.

A hora chegou. Embarquei em SP, numa quinta-feira à noite, quente, em janeiro, para um vôo direto que desceu em Buenos Aires. Dormi por lá, e no dia seguinte bem cedo um carro me pegou no hotel e me levou a 1 hora de lá, depois de Pacheco. Estradas do interior da Argentina são sempre simpáticas e meu sentimento era dúbio: ao mesmo tempo eu queria chegar logo para ver o monstro de perto, mas queria também que a viagem não terminasse. Belíssimos visuais, vários caminhões diferentes dos que vemos por aqui. Então, chegamos ao local da pista. Não havia sinalizações, entramos na fazenda, sem muita certeza de que o monstro estivesse ali, sem saber ao certo o que me esperava.

Ao chegar, encontrei o pessoal da Iveco Argentina, simpaticíssimos, que fizeram me sentir em casa. Mas no fundo, a verdade é que eu não queria muita conversa - o coração já estava acelerado para ver onde estava guardado o brutamontes. Fui até o Galpão ao lado, e ao abrir o portão, ali estava ele. Gigante. Repleto de cicatrizes da prova. Arranhões, riscos, pequenos amassados e fibras quebradas. Caminhão de Rally. Eu sabia que teria que montar as câmeras para começar a gravar, mas não conseguia controlar a emoção. Aquilo não parecia real. Não parecia que aquele mastodonte iria funcionar e que eu iria ter a oportunidade única de andar nele.

Subi e entrei no caminhão, para sentar-me ao volante. Subi, não, escalei. Tirei o volante de engate rápido e sentei ao comando da espaçonave. Não posso dizer que foi confortável, pois peso perto de 100 kgs, e o Villagra deve pesar uns... muitos quilos a menos. Mas, mesmo assim, consegui me encaixar no banco. É claro que eu conseguiria! (os roxos saíram depois de vários dias). Todo aquele cockpit, a tela que gerencia os sinais vitais do caminhão, virada para o co-piloto, o ar condicionado com saídas individuais para cada tripulante (vontade de ligar pro Edu e dividir isso com ele), e aquele emaranhado de chicotes típicos de carro de corrida. O Piloto e o navegador ficam mais a frente, enquanto o co-piloto (mecânico e controlador dos sinais) senta-se um pouco mais recuado, quase em uma posição de fileira traseira.

Tudo extremamente apertado, graças ao santo-antônio (um super santo antônio – são 10 toneladas) e os assentos ajustado para os tripulantes. Atrás dos bancos dianteiros haviam gigantes redes para abrigar capacetes durante os trechos de deslocamento. (Deslocamentos são os trechos não cronometrados do rally. Como o trecho entre o parque de apoio e o início do trecho cronometrado. E também o trecho entre o final da especial e o próximo parque de apoio. Especial é o trecho cronometrado. Onde o caminhão é levado ao limite do salve-se- quem-puder).

Hora de começar a filmagem. Eu só tinha aquela manhã para produzir os três programas. Desci (dá um trabalhão descer dele) e peguei meus equipamentos para começar as filmagens. A cada cena gravada, eu me impressionava mais. Cara, eu ia andar nesse monstro. Ao chegar no banco do co-piloto para gravar o painel, fiquei a vontade pela primeira vez no caminhão. Era ali que eu andaria! Não havia espaço para as pernas, mas foi o primeiro banco que eu me encaixei. No momento que gravava a última cena, o caminhão foi acordado para ser levado para a pista. A batida do motor Iveco (que eu já acho bonita no motor original), com o dobro de potência, virou música dentro do galpão fechado.

Hora de ir pra pista.

Apesar da ansiedade, decidi que faria as imagens todas antes de andar no caminhão. Outras pessoas que estavam lá, da Argentina, equipavam-se com capacetes. Busquei as melhores curvas para gravar aquele monstro saindo de lado, pulando, fazendo saltos, mas confesso que fui tomado por uma grande perturbação. Não dava mais para gravar. Eu teria que andar.

O pessoal da Iveco Argentina me chamou de longe, avisando que eu poderia andar. Hora da verdade. Achei uma arvore no meio do campo, juntei os equipamentos, deixei-os em uma pequena sombra, peguei a câmera de mão e fui rapidamente até o monstro, que estava ligado em marcha lenta. Glaglaglagla... aquela batida só me deixava mais e mais ansioso. O pessoal, muito gentil, montou uma escada para subir no caminhão. Ok, meio quebra-o-clima, mas naquela altura, tudo ajudava. Apertei o capacete e assumi meu posto de co-piloto. O painel móvel tinha que travar na minha frente, mas as pernas não cabiam. Após eu me transformar no homem borracha, o painel finalmente travou.

Ah, claro, eu tinha que filmar. Naquele momento, eu já havia me esquecido. Estava tomado de uma sensação indescritível. Realizar sonhos é algo que não acontece todo dia. Confesso que nem conseguia falar direito, alguma apresentação, algo para falar antes. Eu queria era ver o monstro acelerar. De fora, o caminhão impressiona. Mas de dentro... a sensação é muito maior. Então o caminhão largou. Curva para esquerda, primeiro top, o caminhão subiu, desceu e entrou no segundo top com mais vontade. Ao descer e dobrar à esquerda, eu sabia que deveria manter a câmera virada para frente, mas já estava mergulhado em uma adrenalina indescritível. Cara, como anda! O caminhão saiu de traseira, espalhou horrores (sinceramente, eu acho que o Villagra deu uma voltinha “ao ponto mais” com a gente). Éramos os únicos produtores de vídeo por lá.

Quanto mais o caminhão acelerava, mais eu pensava “aiaiai a edição vai ter que cortar esses palavrões”. O caminhão tem uma força brutal. A aceleração não cai, as trocas de marchas são brutas e rapidamente o caminhão estava a mais de 130 km/h em um trecho curto de reta. Curva aberta à direita e pé embaixo, espalhando o caminhão de novo. Ao longe, duas arvores, uma ao lado da outra. E o caminhão no rumo para passar ao meio delas... #$%%!!! Mais um palavrão para editar.

Curva à esquerda, erosão, aceleração, até um forte solavanco. A câmera já tinha adquirido vida própria. Quis filmar o co-piloto. Com forças, voltei ela para frente e na próxima erosão, ela desistiu e resolveu apagar. Pra fechar a volta, o Villagra ainda tirou o caminhão do chão em um salto que foi completamente absorvida pela suspensão de Landau.

Chegamos ao fim. Jááá? Sempre assim. Mas vai ficar tatuado em minha memória, para sempre. Hora de voltar para Buenos Aires. E tomar uma cerveja de fim de tarde para comemorar junto com um amigo. Possivelmente, a mais gostosa que já tomei.

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